Estados Limites ou Bordeline
 

Definição
Expressão geralmente utilizada para designar uma organização mental limite entre a neurose e a psicose. Não constitui um grupo nosológico diferenciado.

Histórico
A primeira descrição deste tipo de organização mental coube a James Cowles Prichard, na primeira metade do século XIX, ao  afirmar que existe “una forma de perturbación mental en la cual las facultades intelectuales parecen haber sufrido escaso o nulo daño, mientras que el trastorno se manifiesta principalmente en los sentimientos, el humor o los hábitos” (Mack, J.E. Estados Limites en Psiquiatria, Ed. Toray, Barcelona, 1976). Este autor chamou este transtorno de “loucura moral” e seus estudos serviram de base para o  que mais tarde ficou conhecido como “personalidade psicopática”. Em 1930, G.E. Partridge introduziu o termo “sociopatia” para designar os transtornos da personalidade com tendências anti-sociais específicas, diferenciando-os dos demais transtornos de personalidade.

O primeiro a utilizar a expressão “estados limites” no sentido atual, isto é, para designar os casos que ocupam a linha divisória “entre a loucura e as diversas excentricidades dos indivíduos normais” (Mack, J.E. Estados Limites en Psiquiatria, Ed. Toray, Barcelona, 1976) foi Emil Kraepelin (1856-1926).

Em seguida foram descritos diferentes tipos de personalidade (personalidade esquizóide, personalidade ciclotímica) que, acreditava-se, assemelhavam-se
ou guardavam alguma relação com as psicoses funcionais.

A partir do artigo “Caráter e Erotismo Anal” (Ed. Standard da Obra Psicológica Completa de Sigmund Freud, vol. IX, Ed. Imago, R.J.), Freud e vários seguidores passaram a pesquisar a associação entre traços do caráter e componentes pulsionais. Foram reconhecidos tipos de caráter relacionados com as fases libidinais do desenvolvimento (oral, anal, fálica). C. G. Jung (1875-1961) também contribuiu para este estudo com seus tipos extrovertido e introvertido.

Wilhelm Reich (1897-1957) descreveu as manifestações clínicas de transtornos caracterológicos de diversos tipos: impulsivo, compulsivo, histérico, masoquista e outros. Franz Alexander (1891-1964), sob o nome de “caráter neurótico”, também estudou estes tipos de transtornos e os distingüiu dos casos neuróticos, dos psicóticos, dos perversos e dos sociopatas.

Helen Deutsch (1884-1982), descreveu um tipo particular de caráter, que denominou ”personalidade como-se”. Em 1949, Paul H. Hoch e Phillip Polatin cunharam o termo “esquizofrenia pseudoneurótica” para um grupo de pacientes que diferenciaram dos psiconeuróticos e dos esquizofrênicos.

Em 1953 Robert P. Knight publicou dois trabalhos sobre o diagnóstico, psicodinâmica e tratamento de pacientes limite (“Bordeline States” e “Management and psychotherapy of the bordeline schizophrenic patient”, ambos no livro Psychoanalytic Psychiatryand Psychology, vol. I, Int. Universities Press, NY).

Em 1963 John Frosch diferenciou entre os chamados casos limite um subgrupo que denominou de “o caráter psicótico”, o qual apresenta uma grave perturbação das relações objetais, defesas egóicas primitivas que permitem a irrupção na consciência de material do Id, grave perturbação da capacidade adaptativa e da relação com a realidade, mas conserva o teste de realidade.

A partir da década de 60 se inicou o estudo sobre a organização da personalidade dos casos limite, procurando entender seus conflitos e as dificuldades de funcionamento do ego.
Roy R. Grinker e seus colaboradores definiram quatro grupos de pacientes: 1) um grupo mais gravemente perturbado, bordeando a psicose; 2) um grupo “limite nuclear” que mostra relações objetais caóticas, tendência ao “acting out” e isolamento; 3) um grupo com carência de identidade equivalente à “personalidade como-se” de H. Deutsch e 4) um grupo menos perturbado bordeando a neurose. Questionaram se a maior ocorrência de casos limite não estaria relacionada com características de nossa cultura atual, como as rupturas impostas pela vida urbana, o aumento da angústia existencial e as diferentes mudanças ocorridas na estrutura familiar e social.

Otto Kernberg iniciou em 1966 um extenso estudo sobre este tipo de paciente e nele incluiu as neuroses polissintomáticas, as tendências  paranóides e hipocondríacas, os transtornos sexuais diversos, as personalidades esquizóides e ciclotímicas, os transtornos dos impulsos(alcoolismos, toxicomanias) e alguns estados depressivos e sado-masoquistas. Este autor insiste na cisão como mecanismo de defesa fundamental deste tipo de organização mental e postula uma hierarquia de níveis de organização da patologia do caráter de acordo com a maturidade das funções do ego e do superego e a qualidade das relações objetais.

Os estudos de Margareth Mahler sobre o desenvolvimento infantil, sobre a autonomia do ego e sobre o processo de separação-individuação influiram bastante nos trabalhos relacionados com pacientes limite.

Clínica
Do ponto de vista fenomenológico, os quadros clínicos se caracterizam por: impulsividade difusa, raiva crônica, relacionamentos interpessoais instáveis, distúrbios de identidade, sentimentos freqüentes de tédio e vazio, tendência a atos autodestrutivos e fenômenos psicóticos intermitentemente presentes.

Do ponto de vista psicodinâmico, refere-se a uma estrutura que apresenta teste de realidade preservado, persistência de identificações iniciais contraditórias em um arcabouço não sintetizado que conduz a uma falta de integração do ego, uso predominante da cisão como mecanismo defensivo e uma fixação da fase de reaproximação do processo de separação-individuação, com a conseqüente instabilidade do self, falta de constância objetal, superdependência dos objetos externos, incapacidade de tolerar a ambivalência e uma
acentuada influência pré-edípica no complexo de Édipo.

Atualmente existe uma controvérsia teórica a respeito de como conceituar a organização bordeline de personalidade: seriam decorrentes de conflitos e defesas (tal como na neurose), seriam decorrentes de parada no desenvolvimento devido a relacionamentos insatisfatórios ou seria um desvio do desenvolvimento baseado na adaptação a objetos primários patológicos?

retorna