"Como processo clínico entendemos o conjunto
estruturado de acontecimentos produzidos no campo
dinâmico estabelecido
entre médico (ou equipe de saúde) e o paciente. Percorre o tempo que vai
do primeiro encontro à alta, ou separação médico-paciente. Inclui todos
os procedimentos médicos, comunicações verbais e extra-verbais,
experiências afetivas veiculados no espaço físico do campo de relações
clínicas. À Psicologia Médica interessa particularmente a patologia do
processo clínico. Nesse processo, três síndromes merecem especial
atenção: a síndrome de dependência, a síndrome da alta e a síndrome da
eutanásia.
A primeira é derivada dos vínculos emocionais que o
doente estabelece com o médico, altamente impregada por pautas de
conduta regressivas, análoga aos fenômenos
transferenciais do contexto
psicanalítico. À dependência do paciente responde o médico com sua
contradependência, defendendo-se dos
vínculos regressivos,
escotomizando-os ou rechaçando-os, ou, o que é muito comum,
promovendo-os para alimentar suas próprias fixações infantis. Nesse
último caso, o médico precisa do doente, muitas vezes mais do que este
do médico, e, inconscientemente, promove a manutenção e cronificação da
enfermidade.
A síndrome de alta constitui um episódio mórbido do
processo clínico bem caracterizado, e que ocorre a partir do momento em
que é anunciada a separação médico-paciente. Os vínculos emocionais
regressivos que não podem ser abruptamente desfeitos fazem falhar as
adaptações súbitas exigidas no momento da alta. Como conseqüência, o
doente piora ou nova enfermidade se instala, seja na área somática,
mental ou social. Exemplo são os pacientes peregrinos, visitantes
crônicos de ambulatórios, vítimas da busca incessante de seus protetores
arcaicos.
O nome sïndrome de eutanásia foi-me sugerido pelo apelo que um doente mental grave, esquizofrênico, fizera-me há muitos anos, como primeira frase de um
tumultuado contato clínico inicial: 'Dr.,
eu quero que o sr. me faça eutanásia', violência a que eu não atendi com risco a minha integridade
física. Pesquisada essa formulação dentro do contexto clínico foi
possível observar que o doente chamado somático nem sempre pretende, ao
buscar ajuda médica, aliviar ou curar seus males. Ao contrário, levado
por impulsos mórbidos suicidas inconscientes, procura no médico auxílio
para uma eutanásia parcial ou total. Muitas vezes o consegue. São as
induções iatrogênicas, comuns na prática clínica e cirúrgica. Os
conhecidos doentes poli-cirúrgicos são exemplos dessa situação.
Essas síndromes do processo clínico são apenas
alguns flagrantes ilustrativos da vasta área de estudo representado pelo
campo do processo clínico. Detivemo-nos apenas numa descrição
esquemática."
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