Um homem de pouco mais de 30 anos, casado há quase 20
anos, sem filhos, foi encaminhado para tratamento ambulatorial por estar sentindo-se
deprimido. Faz tratamento neurológico para síndrome do túnel do carpo e aguarda
cirurgia para correção de uma hérnia inguinal e outra de disco na coluna torácica.
O paciente relatou que seu
estado de ânimo abatido é decorrente tanto do fato da esposa ter que se submeter
a uma cirurgia quanto de antigos problemas familiares, pois ele nunca conseguiu
se entender com a sua mãe e nem com o seu irmão, que sempre se entenderam muito
bem entre si. Foi sempre muito próximo do pai e se sente muito parecido com ele.
Seu pai era um dos herdeiros de uma grande empresa, mas nunca quis trabalhar lá.
Ele também se formou em Administração de Empresas, mas nunca quis trabalhar em uma
grande empresa. Seu pai prezava muito sua própria liberdade, como ele também. Ambos
nunca conseguiram ter patrão. O
único problema do pai era o uso regular e abusivo de bebidas alcoólicas. Era sempre
ele que ia buscar o pai embriagado, algumas vezes caído na rua. A mãe e o irmão
criticavam esse seu comportamento, dizendo que era para deixar o pai lá onde estava.
Para ele, na sua casa, o irmão era o filho da mãe e ele era o filho do pai. Sente-se
só desde que o pai faleceu. Junto a tudo isso, vem sentindo medo de perder a esposa
e sente-se mal por ter adiado ter filhos, pois a cirurgia que a mulher está para
fazer pode resultar em incapacidade de gerar filhos.
A partir do
diagnóstico de
luto patológico, estruturado a partir da forte identificação do paciente
com o pai, discutiu-se a condução do processo terapêutico. Como todo processo psicoterápico
de um luto patológico visa a transformação da identificação do paciente, nesse caso
com o pai, em memória, foi ressaltada a importância de se compreender organização
psicodinâmica deste processo identificatório. Foi ressaltado que, no presente caso, o luto patológico não se estruturou
a partir de uma relação baseada em um conflito edípico, um conflito do paciente
com a figura de autoridade (o pai), e sim em um conflito do paciente com o seu sentimento
de contenção ou de prisão advindo da intensidade da identificação. Foi lembrado
que esse tipo de identificação, ao impedir a construção da própria história, costuma
engendrar sentimentos de se estar preso dentro do espaço existencial da outra pessoa.
Como a
agressividade decorrente desta
situação precisa ser reprimida para que a identificação se mantenha, foi assinalado que pode-se
ter uma falsa impressão de que o conflito com a figura de autoridade existe inconscientemente.
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