Uma mulher de mais de 80
anos, casada, sem filhos e aposentada, internou-se para a 3ª
cirurgia para retirada de um bócio tireoidiano.
Os exames revelaram um importante
risco de trombo
devido a uma obstrução em uma das artérias carótidas, em
virtude do que a paciente foi medicada com anticoagulantes. Durante a cirurgia,
que transcorreu sem maiores problemas, foi encontrado um bócio cujo crescimento
colocou uma interrogação na eficácia das cirurgias anteriores. No pós-operatório
a paciente apresentou um sangramento e dificuldades respiratórias que a fizeram
voltar à mesa de operação e ser submetida à reabertura da ferida operatória e a
uma traqueostomia. O acompanhamento da Psicologia Médica foi iniciado depois da
alta da paciente, que sentia-se muito incomodada com a traqueostomia, mas não vinha
seguindo a prescrição medicamentosa e de exercícios respiratórios para a traqueostomia
poder ser fechada.
Proveniente de outro país,
onde deixou os pais e irmãos, aqui chegou ainda adolescente para trabalhar e permaneceu na mesma empresa até se aposentar. Nunca mais voltou para ver os pais, tendo mantido
contato unicamente epistolar. Viveu na casa de um tio até sofrer uma tentativa de
abuso sexual e foi viver com uma prima, casando-se logo depois mais por insistência
do pretendente do que por desejo dela. Não teve filhos e criou a enteada, cuja mãe
morreu no parto. Hoje tem 1 neto. Acha que não teve filhos por castigo divino por
ter feito um aborto aos 19 anos, de um namorado de quem se sente apaixonada até
hoje, apesar dele não ter assumido a paternidade induzindo-a ao aborto.
Por ter casado com quem
não amava e por não ter tido filhos, há muitos anos acha que sua vida não vale a
pena ser vivida. Sente-se desanimada e não vê sentido em fazer os exercícios necessários
para fechar a traqueostomia, ao mesmo tempo em que diz preferir morrer a viver assim.
Também não segue a prescrição médica porque todas as medicações acabam lhe fazendo
mal. A paciente continua em tratamento ambulatorial.
A partir do evidente sentimento
de culpa da paciente e da dificuldade em seguir a orientação do seu cirurgião
pode-se ressaltar que a questão central deste caso para a atuação em
Psicologia Médica prende-se às condições pré-operatórias da paciente e às ocorrências per e
pós-operatórias: a traqueostomia deveu-se à lesão do nervo laríngeo recorrente,
que ocorreu em função do estado avançado da lesão, e o risco de morte foi devido à
hemorragia provavelmente em virtude do uso de medicação anticoagulante, prescrita para diminuir o risco de trombose. Nesse caso, o objetivo central da Psicologia
Médica é a diminuição do sentimento de culpa do cirurgião decorrente dos acidentes
cirúrgicos praticamente inevitáveis, assim como a diminuição do sentimento de culpa
da paciente, relacionado com elementos da sua história pessoal. Esse é o caminho
para diminuir as tensões existentes na relação entre a paciente e o seu cirurgião.
|