Resumo da Reunião Clínica
 

Uma jovem de pouco mais de vinte anos, emagrecida, de estatura baixa, de aparência e comportamento infantil, solteira e portadora de epidermólise bollhosa distrófica recessiva, foi internada para tratamento de uma úlcera em um dos pés surgida a partir de um machucado que sofreu recentemente quando tentava atravessar uma linha de trem. Sua doença eclodiu logo após o nascimento, com bolhas e feridas pela pele e, atualmente, apresenta lesões em toda a pele e deformações nas mãos que a impedem de realizar diversas tarefas. Vive muito apegada à mãe, que a acompanhou durante toda a internação com alguns atritos com a equipe de enfermagem e, no primeiro atendimento realizado pelo membro da equipe de Psicologia Médica associada à enfermaria, quase não deixou a filha falar. Neste atendimento a paciente se mostrou inicialmente desconfiada e arredia. Embora tenha sido indicado acompanhamento também para a mãe, esta só se dispôs a fazer apenas um atendimento, no qual ficou evidente a sobrecarga emocional existente no cuidar da filha doente. Por outro lado, a filha em seus atendimentos se mostrou sempre muito aflita em se afastar da mãe, ao mesmo tempo em que falava de uma divisão entre uma menina boa e uma menina má. Relatou algumas experiências alucinatórias nas quais escutou vozes falando que ela ia perder a mãe e a mãe a ela. O atendimento a esta paciente mobilizou a equipe médica a ponto de a médica assistente pedir para se retirar do caso diante da gravidade da doença e da limitação da vida da paciente, que nem namorar poderia em virtude do provável trauma local que sofreria com a penetração. A paciente saiu de alta melhorada para dar continuidade a seu tratamento, clínico e psicológico, em regime ambulatorial antes que os exames atestassem a malignização de uma de suas lesões, fato que era esperado pela equipe.  A paciente deverá receber a notícia em sua próxima consulta ambulatorial e será encaminhada para o INCA.

A discussão se iniciou a partir da constatação se ser este mais um exemplo da relação sempre presente entre o aparecimento ou agravamento de uma doença e crise existencial. No caso em questão, a paciente, estigmatizada pela doença e infantilizada por uma mãe hostil, se vê presa a sentimentos ambivalentes em relação à mãe e à vida que a impedem de atravessar a linha que separa a mocinha da mulher. A única saída vislumbrada e geradora de muita ansiedade é a morte, anunciada através das vozes alucinatórias.

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