Resumo de Reunião Clínica
 

Uma mulher com menos de trinta anos, solteira, com queixa de cefaléia e hemiparesia esquerda, esta última conseqüente a um acidente vascular cerebral ocorrido há dois anos, foi internada para investigação etiológica. Os exames realizados apontaram a existência de um angioma venoso (cavernoma), cujo  tratamento deveria ser clínico com controle da pressão arterial e de outros possíveis fatores de risco para novo sangramento, já que a retirada cirúrgica do tumor envolvia risco considerável de seqüela motora. Mobilizada pela ideação suicida da paciente, e considerando-a deprimida, a equipe da enfermaria solicitou o acompanhamento da Psicologia Médica e da Psiquiatria. Filha de pai alcoólatra com problemas mentais e abandonada pela mãe, ela e os irmãos foram curatelados por diferentes famílias. Criada numa família onde sempre era lembrada que lá estava de favor, ao se aproximar da maioridade a “mãe” da paciente começou a dizer que ela iria perder o direito de viver naquela família. Aos vinte e um anos a paciente conseguiu se sustentar sozinha e saiu de casa. Alguns anos depois sofreu o AVC e há menos de um ano perdeu seu namorado em acidente automobilístico. Essas fatalidades confirmaram um pensamento antigo dela não ter direito a ser feliz na vida. Desde então pensa que deveria ter morrido também. Inicialmente revoltada com sua situação, com sua vida e com todos que convivem com ela, o comportamento da paciente mudou em duas semanas de uso de medicação antidepressiva prescrita pelo psiquiatra: tornou-se bem humorada e afável. A paciente saiu de alta para dar continuidade ao tratamento em regime ambulatorial sentindo-se muito bem.

Inicialmente, discutiu-se a indicação e os riscos do uso de medicação antidepressiva numa paciente que apresenta risco de sangramento cerebral. Em seguida, foram esclarecidos a diferença entre depressão e revolta frente a uma história de vida trágica, que era o estado psicológico inicial da paciente, e o efeito acobertador da medicação psiquiátrica frente a situação de vida da paciente, que torna mais difícil, e até inviável, a abordagem psicológica da paciente.  Finalmente, abordou-se com profundidade a psicodinâmica das pessoas excluídas, o objetivo da Psicologia Médica com este tipo de paciente e o papel terapêutico do estabelecimento de vínculos afetivos válidos com eles.

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