Resumo de Reunião Clínica |
Uma mulher de quase cinquenta anos, solteira e com queixa de dor generalizada em todo o
corpo, foi internada para investigação diagnóstica, concluída com o diagnóstico
de fibromialgia
e
síndrome de Sjögren. Ao chegar ao hospital, a paciente
havia brigado com os familiares, perdido o emprego e, sem lugar para morar, vivia
provisoriamente em um abrigo a um passo de se tornar parte da população de rua do
Rio de Janeiro.
O acompanhamento da Psicologia Médica foi em duas etapas. A primeira se passou na
enfermaria, teve a duração de quase duas semanas e foi caracterizada pela atitude
refratária da paciente, sempre se retraindo narcisicamente. Apenas algumas
frases foram trocadas, uma delas quando a terapeuta observou que a paciente não
conseguia usar o creme de corpo e a incentivou a usá-lo e aproveitar o momento para
olhar e acariciar o próprio corpo. Este período do acompanhamento sofreu uma interrupção
abrupta com a alta da paciente. Inesperadamente, duas semanas depois as duas se
reencontraram na enfermaria durante a visita que a paciente estava fazendo a outra
paciente e combinaram dar continuidade ao tratamento, agora no ambulatório. Neste
curto espaço de tempo a paciente conseguiu sair do abrigo e alugar um quarto para
viver. Nesta fase, a paciente estava comunicativa e contou sua triste história de
vida. A partir dos doze anos foi vítima de abuso sexual do pai com anuência da mãe
que, em determinado momento, chegou a levá-la para conhecer uma família cujo pai
de duas crianças era o pai da mãe delas. A paciente expôs a enorme repulsa pelo
próprio corpo, a culpa por seu passado e sua total dificuldade em viver um relacionamento
amoroso. Disse ainda que perdeu o pouco interesse que ainda tinha na vida após a
morte da mãe.
Na discussão, inicialmente foi ressaltada a importância deste caso como exemplo
do papel da
psicodinâmica individual nas situações de decadência social,
que no caso em questão tinha o significado de um suicídio através do corte de todos
os vínculos sociais. Além disso, a culpa da paciente pela satisfação usufruída nos
eventos vividos com o pai e o ódio da vida e dela mesma eram expressos através do
rechaço do próprio corpo e da repulsa de si mesma. Discutiu-se também o papel patogênico
exercido pelas figuras de apego quando o vínculo
com os filhos é por elas
pervertido e as conseqüências sobre a
sexualidade infantil e o desenvolvimento
mental.
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