Resumo de Reunião Clínica
 

Rapaz de 18 anos veio transferido de hospital público para tratamento de epilepsia. Foi necessário ser internado porque estava muito espoliado: emagrecido, desidratado, desnutrido e com várias escoriações pelo corpo. Foi trazido por tios que o tiraram de um quarto da casa de sua mãe onde vivia trancado há 3 anos, não era alimentado  regularmente e não recebia cuidado algum de higiene, urinando e evacuando onde vivia. Seus cabelos estavam crescidos e desgrenhados; as unhas, muito sujas e enormes. Mal articulava algumas palavras. Foi trancado pela mãe quando começou a apresentar crises convulsivas e, também pelos vizinhos, os tios souberam que o paciente, à guisa de exorcismo, era espancado pela mãe ao apresentar os episódios epilépticos. Perdeu o pai aos 3 anos de idade. Mais velho dos 3 filhos do primeiro casamento da mãe, possui 2 irmãos do padrasto. Foi retirado da escola pela mãe ainda pequeno quando apresentou difuldades no aprendizado. Na enfermaria passava a maior parte do tempo deitado em posição fetal e coberto dos pés à cabeça. Muito desconfiado, recusava com freqüência o cuidado da enfermagem e a medicação. Parecia um bicho acuado. Sua maneira de se comunicar era peculilar: parecia entender o que lhe era dito e empregava metáforas pouco comuns e com significados estritamente pessoais. Não recebeu nenhuma visita da mãe e dos irmãos. Submetido a uma série de exames para pesquisa neurológica, o resultado do eletroencefalograma foi típico de grande mal epiléptico e nada mais foi encontrado. Recebeu alta logo que as crises epilépticas foram controladas. Saiu com os tios com recomendação para acompanhamento ambulatorial.

A partir da lembrança de um dos casos mais famosos de crianças maltratadas, Kaspar Hauser (menino aparentando 15 anos encontrado em uma praça em Nuremberg em 1828, não sabia falar e não se comportava como humano), foram discutidas, inicialmente, as conseqüências psicológicas em crianças criadas sem contato humano. Em seguida, foi discutido como orientar paciente, familiares e equipe, (esta através de interconsultas) nos casos em que os aspectos sociais são desta monta. Finalmente, abordou-se os aspectos clínicos envolvidos no caso apresentado. Discutiu-se os possíveis diagnósticos diferenciais do paciente (surgimento de epilepsia em um caso de psicose infantil, surgimento de epilepsia em caso de oligofrenia infantil e psicose epiléptica) e os aspectos psicóticos do comportamento materno. Foram também debatidos os aspectos contratransferenciais desencadeados no contato com a miséria humana.

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