Resumo de Reunião Clínica
 

Uma mulher de quase 40 anos, portadora de hipotireoidismo, internou-se para submeter-se a uma tireoidectomia parcial. Estava nítidamente aborrecida e, muito contrariada, iniciou seu acompanhamento psicológico feito por um membro da equipe de Psicologia Médica do CMP associada à enfermaria. Na primeira consulta a contrariedade da paciente ficou esclarecida. Há mais ou menos dois anos, após a morte de sua irmã mais velha, que foi quem a criou “porque minha mãe ficava o tempo todo deitada na cama, desgostosa porque meu pai tinha mulheres na rua”, a paciente começou a sentir um aperto na garganta e uma amiga notou que seu pescoço estava aumentado de tamanho. Só foi procurar médico muito tempo depois, quando o bócio já estava bastante crescido e só aceitou internar-se depois que os exames mostraram que não tinha câncer, doença da qual sua irmã e sua mãe, esta um ano depois daquela, morreram: “Como eu não ia morrer de câncer, vim para morrer na cirurgia”. A paciente contou ainda que depois da morte de sua irmã a família se desmantelou: sua mãe morreu, seus irmãos se separaram, seu casamento acabou e sua filha passa mais tempo com o pai do que com ela.
Foram apenas quatro consultas antes da cirurgia, sendo que nas três últimas ficou claro que a paciente cresceu sentindo que “era como se não existisse” e até hoje sente-se uma pessoa desnecessária, inclusive para a própria filha. Uma vez tendo ficado patente que  a paciente não havia ainda conseguido elaborar sua dupla perda, as conversas restantes giraram em torno deste tema. A cirurgia realizou-se com sucesso e na primeira consulta após a cirurgia a paciente, em tom de brincadeira, acusou a psicóloga de não tê-la deixado morrer. Recebeu alta para acompanhamento ambulatorial e desde então vem conversando por telefone com a psicóloga, mas ainda não conseguiu retomar as conversas pessoalmente.

A discussão girou em torno da dificuldade da paciente elaborar seus lutos, caracterizando um caso de luto patológico. Foram levantadas algumas hipóteses quanto a esta dificuldade, sendo a mais consistente a baseada na evidência de que a mãe da paciente, desgostosa com o fracasso de seu matrimônio, desenvolveu um quadro depressivo que a afastou dos filhos. Impossibilitada de exercer a função materna, escorou-se na filha mais velha tornando-se uma ausência presente. Assim como é sempre mais difícil elaborar uma perda do que não se teve, sabe-se que este tipo de relação é geradora de sentimentos ambivalentes, cujos componentes hostis, quando reprimidos, podem paralisar o processo de luto.

retorna