Uma
moça de 21 anos, solteira, natural do nordeste do país, mãe solteira de
uma menina de 5 anos, foi internada com um quadro grave de
dermatite
atópica com infecção secundária. Relatou que sua doença iniciou em sua
puberdade (11 anos), acometendo inicialmente as dobras dos braços, das
pernas e o pescoço; evoluiu em surtos e teve uma piora significativa
quando, aos 14 anos, veio mandada para o Rio de Janeiro para trabalhar
como empregada doméstica e ajudar financeiramente sua família.
Única
filha, e a mais velha de uma prole de 4 filhos, já aos 7 anos cuidava da
casa e dos irmãos quando o pai saía para trabalhar e a mãe para beber.
Quando estava bêbada, o que era bastante freqüente, a mãe mostrava-se
particularmente irritada e agressiva apenas com ela e freqüentemente a
ofendia chamando-a de prostituta e que iria “dar para todo o mundo
quando crescesse”. Aos 15 anos teve seu primeiro namorado, um homem de
30 anos que a deixou após tirar sua virgindade, e aos 17 anos engravidou
de um rapaz com quem teve apenas uma relação sexual. Vinha fazendo
tratamento em posto de saúde sem nenhuma melhora e frequentava um grupo
psicoterapêutico a mando de sua patroa, mas sem nenhuma convicção.
Em
sua primeira internação, tímida e calada, com expressão inquieta e
entristecida, referiu-se a sua pele como nojenta e suja, disse ter ânsia
de vômito com seu próprio cheiro e sentir-se uma pessoa anormal. Contou
que tinha muita vergonha de si mesma por causa de sua doença e que
acabava invariavelmente se afastando dos rapazes que por ela se
interessavam. Pouco participativa, esperava conseguir uma cura total e
completa de sua doença com a ajuda divina, apesar de ter recebido várias
vezes a informação de que sua doença era crônica, de difícil cura e
geralmente apenas com controle das crises. Devido ao seu estado foi
medicada intravenosamente apresentando uma melhora de seus sintomas, o
que aumentou sua expectativa de cura completa, apesar de ter sido
reiteradamente informada que os sintomas poderiam e provavelmente
voltariam com o término do efeito da medicação. Recebeu alta para
tratamento ambulatorial com remissão parcial da sintomatologia, ainda
esperando uma cura total com a ajuda divina e dizendo que ainda não
havia aceitado a idéia de que sua doença não teria cura. Duas semanas
depois a paciente foi reinternada devido a intensa piora de seu quadro
dermatológico. Seu estado de espírito mesclava desesperança, muita
angústia, agitação e, mais participativa, questionava muito o tratamento
que estava recebendo. Ainda internada, já apresenta melhora de seu
quadro clínico, dermatológico e psicológico, está aceitando mais o fato
de que a cura total com a interferência divina provavelmente não irá
acontecer e que tem uma doença crônica que necessita de acompanhamento
regular. Graças a uma melhor coordenação do trabalho em equipe, a alta
da paciente está sendo preparada com vagar, tornando possível o preparo
para o tratamento ambulatorial, clínico e psicológico. Este último será feito
pela psicóloga do ambulatório, com larga experiência nestes casos.
A
discussão foi inicada ressaltando-se a precariedade da relação materna,
a rejeição e o ódio conseqüente a isto. Foi sugerido que a rejeição
precocemente sofrida pela paciente pode estar se refletindo na rejeição
que ela própria tem por sua pele.
Em
seguida foi lembrado que os quadros de psoríase, dermatite atópica,
vitiligo, alopécia e prurido genreralizado apresentam uma relação direta
com o desenvolvimento da
sexualidade, sendo freqüente a observação de que uma melhor
elaboração da própria sexualidade é acompanhada por uma melhora
significativa do quadro dermatológico.
Finalmente discutiu-se em profundidade o preparo e o encaminhamento da
paciente para o tratamento ambulatorial.
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