Resumo de Reunião Clínica
 

Uma senhora de 63 anos foi internada com queixas de intensa cefaléia contínua e uma forte dor na coluna, na região lombo-sacra, ambas refratárias à analgesia habitual. Apresentava uma importante lesão na mama esquerda, profunda, de aparência pétrea e fétida, que não foi vista na internação porque a paciente a ela não fez nenhuma referência. Todos os dias a própria paciente trocava o curativo e a lesão só veio a ser examinada 1 mês após a internação. O diagnóstico de lesão carcinomatosa foi facilmente comprovado pelos exames complementares e, dias depois, selou-se o diagnóstico de câncer de mama com metástases cerebrais (cefaléia por meningite carcinomatosa) e ósseas (coluna vertebral). Ao encontrar dificuldades em esclarecer o diagnóstico à paciente, seu médico assistente solicitou que a paciente fosse acompanhada por um membro da equipe de Psicologia Médica do C.M.P. associada a esta enfermaria. A paciente teve 7 atendimentos antes de ser transferida para tratamento quimioterápico em hospital especializado.

A discussão foi iniciada ressaltando-se que o objetivo de uma adequada comunicação diagnóstica ao paciente inclui a diminuição das fantasias que geralmente existem em relação ao próprio diagnóstico e ao prognóstico da doença, que avassalam o paciente e impedem uma adesão do paciente ao projeto terapêutico.
Outro ponto discutido, e relacionado com o anterior, foi o fato inusitado da paciente ter conseguido evitar o exame de uma importante lesão durante um mês. Foi mencionado um caso descrito por Michael Balint em seu livro Treatment or Diagnosis, a study of repeat prescriptions in general practice (Tavistock publications, London, 1970) em que uma paciente com uma lesão como a descrita acima conseguiu fazer seu médico prescrever-lhe um mesmo anti-inflamatório por 18 anos sem examinar a lesão de sua paciente! Defesas maciças erigidas pelos pacientes contra a própria patologia e as induções iatrogências dos pacientes foram mencionados como sendo os dois ítens de maior gravidade na avaliação psicológica dos pacientes orgânicos pelas conseqüências nefastas que costumam ter em relação ao tratamento do paciente a ao prognóstico terapêutico.
Defesas psicológicas como a acima relatada são estruturadas a partir do repúdio (ou recusa) de um conhecimento. Só desta forma é que uma pessoa consegue saber de algo e, ao mesmo tempo, viver como se não o soubesse. Através deste mecanismo de defesa a paciente “cultivou” seu cancer durante anos e conseguiu também contaminar a equipe, que também repudiou uma importante informação do exame da paciente.

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