Resumo de Reunião Clínica
 

Um homem de 52 anos foi internado para fazer uma cirurgia de hérnia de disco na região lombar. Após a cirugia, realizada com sucesso, o paciente começou a apresentar outros sinais de compressão medular e, submetido a exames, foi evidenciada a presença de um tumor maligno de medula já em estágio avançado. Acompanhado por um dos membros da equipe de Psicologia Médica do C.M.P. associada à enfermaria, já na primeira entrevista, e em sua primeira fala após as apresentações, o paciente queixou-se de estar deprimido com a sua situação e de se sentir muito mal por ter traído a sua mulher. Em todos os atendimentos fez referência a esta traição, ora querendo desculpar-se, ora mostrando-se exageradamente culpado e ora esperando a absolvição divina através de promessas de passar a freqüentar a igreja junto com sua esposa. Ao mesmo tempo, em outros momentos, dizia ter tido uma vida muito boa como caminhoneiro viajando pelo país (quando tinha a oportunidade de trair sua esposa). Nunca fazia menção à sua doença, mesmo com seu quadro clínico piorando; dizia mesmo não querer saber. Por vezes pareceu estar despendindo-se da vida, embora dissesse ter esperanças de se curar. Veio a falecer três semanas após ter sido internado.

Iniciando-se pela culpa exagerada do paciente, discutiu-se este tipo de reação emocional, descrita por Irving L. Janis (1958) em seu livro Psychological Stress, na qual os sentimentos hostis e destrutivos desencadeados pela ameaça de aniquilamento (no caso, doença fatal) são tranformados em sentimentos de culpa com o objetivo inconsciente e mágico de, assim, existir a possibilidade do desenlace temido ser alterado por uma força superior, no caso o perdão divino.
Aprofundando-se o tema, abriu-se a discussão sobre qual seria o foco do atendimento psicológico: a elaboração do sentimento de culpa ou a elaboração da angústia de morte que se avizinhava?
Para responder a esta pergunta precisou-se esclarecer o caráter sobredeterminado dos sentimentos de traição e de culpa do paciente, tendo sido necessário inserir o discurso do paciente às circunstância que ele estava vivendo, internado num hospital com uma doença fatal e com seu quadro clínico piorando a olhos vistos. Desde as fases descritas por Elilzabeth Klüber-Ross em seu livro Sobre a Morte e o Morrer sabemos que o reconhecimento de erros passados é um elemento importante quando negociamos com Deus. Desta forma, a culpa exagerada, e em contradição com a saudade de sua vida quando saudável, aponta para uma tentativa inconsciente de se aumentar o valor da negociação. Além disso, também faria sentido pensar, como foi ressaltado na discussão, que ele próprio poderia estar inconscientemente se sentido enganado e traído (pela vida, por Deus, etc.) com o fato de morrer com pouco mais de 50 anos sem nunca ter tido nenhuma doença que o preparasse para isso.
A conclusão que respondeu a pergunta acima, foi no sentido de que ficar preso na elaboração da culpa exagerada é alimentar a posição defensiva do paciente. O foco do trabalho da Psicologia Médica seria a elaboração da situação real em que o paciente estava imerso e relacionada com a aproximação da própria morte.

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