S. tem 38 anos e dois filhos; separou-se após oito anos
de uma vida conjugal atribulada devido à “irresponsabilidade do marido”
e voltou a morar com sua mãe e uma irmã, tornando-se “o homem da casa”.
Tem um relacionamento amoroso há sete anos “que está bem porque moramos
em casas separadas”.
Há mais ou menos três anos começou a sentir dificuldade
em engolir e percebeu um volume em seu pescoço. Também notou que estava
ficando facilmente irritável, sentia-se cada vez mais nervosa e com
palpitações. Foi-lhe diagnosticado um tumor de células foliculares da tireóide e indicada cirurgia (“tireoidectomia
near total”). A biopsia
realizada no pré-operatório (“PAAF”) não evidenciou células malignas,
mas o diagnóstico definitivo só poderá ser feito através da análise da
peça cirúrgica. Após ser clinicamente preparada no setor ambulatorial da
enfermaria, internou-se na véspera da cirurgia e não conseguiu ser
operada devido a picos hipertensivos, o primeiro ocorrido já dentro da
sala de cirurgia, no preparo cirúrgico, e o segundo, na manhã
subseqüente. Com estes dois episódios hipertensivos a cirurgia foi
adiada para que a paciente pudesse ser melhor preparada pela Cardiologia
e pela Psicologia Médica.
S. teve três atendimentos nesta sua breve internação e
vem sendo acompanhada ambulatorialmente. Embora estivesse inicialmente
irritada com a situação de não poder ser operada e pouco disposta a
conversar, já nestes atendimentos iniciais suas dificuldades em
submeter-se à cirurgia ficaram evidentes: não só seu pai havia morrido
depois de uma cirurgia também de Tireóide, como ela ficou muito
assustada com uma paciente que fora operada de cancer na Tireóide, uma
possibilidade diagnóstica para ela também. No dia de sua alta contou o
seguinte sonho: “Sonhei que estava encurralada no meio de uma guerra.
Tinha soldados, tiros e eu estava no chão sem saber para onde correr.
Uma mulher de branco me estendeu a mão, eu dou a mão e saio do
pesadelo”.
Iniciou-se a discussão assinalando-se que o caso
apresentado aponta para o necessário preparo psicológico pré-cirúrgico
em geral. Em relação à paciente em questão, inicialmente falou-se que a
identificação dela com seu
pai já morto (luto
patológico): “o homem da
casa” e protetora de sua mãe, pode tornar a morte o caminho para
reencontrá-lo. Assim, o sonho deve ser entendido em seu duplo sentido: a
mulher de branco podendo representar tanto a equipe que a salva da morte
quanto um anjo que a levaria a encontrar o pai através da morte. Esse
duplo sentido expressa a
ambivalência da paciente em relação à própria morte.
Em seguida foi examinado o tipo de relação que a paciente
estabeleceu com sua mãe e foi assinalada a freqüência com que
experiências
diádicas precárias engendram
sentimentos de ódio nas situações como
a que a paciente está vivendo de cuidar do genitor.
Também foi discutido o aspecto institucional relativo à
falta de preparado psicológico dos pacientes de cirurgias eletivas, os
quais são internados às vésperas da cirurgia, o que aponta para a
necessidade de expansão do trabalho da Psicologia Médica para o setor de ambulatório, experiência já realizada com amplo sucesso nesta mesma
enfermaria, mas que infelizmente não pôde ser continuado.
A discussão foi finalizada tomando-se este caso como
exemplo da dificuldade geral do ser humano separar-se das pessoas
amadas, base do luto patológico.
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