Enquanto se preparava para uma cirurgia de retirada de
câncer no seio em uma das enfermarias do Hospital Geral da Santa Casa de
Misericórdia do Rio de Janeiro, uma senhora de aproximadamente 63 anos
internou-se em uma outra enfermaria do mesmo hospital devido a dores no
peito. Nesta enfermaria foi diagnosticado quadro de
angina estável e sua
médica assistente solicitou que a equipe de
psicologia médica a
atendesse por achá-la deprimida.
Ao ser abordada por um dos membros da equipe de Psicologia Médica
associada à enfermaria mostrou-se muito
simpática, imediatamente agradecida pelo atendimento e com um tom de voz
triste começou a falar, sempre usando os tempos verbais no passado, das
tragédias de sua vida. Proveniente de uma pequena aldeia do interior do
Brasil, “onde até passei fome e nunca tive nem uma boneca, brincava com
osso de rabada”, criada por uma avó e quase não teve contato com sua
mãe. Recentemente, ao falar com a mãe ao telefone praticamente não
entendeu o que ela falava por não lembrar-se mais do idioma materno e
ficou com medo de estar sendo xingada por ela. Há muitos anos não vê os
familiares “porque sempre que eu juntava um dinheirinho acontecia alguma
coisa: uma vez meu marido ficou doente, depois eu e no outro ano meu
filho faleceu. Acho que não reconheceria mais as pessoas”. Começou a
trabalhar aos 9 anos, “já fiz de tudo: tomei conta de criança, cozinhei,
trabalhei em casa de madame e com eles vim para o RJ”. Aqui casou-se,
morou muitos anos em favela, onde teve a casa alagada e várias vezes com
risco de desabamento, teve 6 filhos e há poucos anos conseguiu mudar-se
para uma casa um pouco melhor e fora de favela. Há 6 meses perdeu um dos
filhos, o mais velho e seu preferido, criado de maneira diferente dos
demais (sic).
Nas conversas que teve com sua terapeuta ficou parecendo que a
morte esteve presente em sua vida desde a infância e agora ainda mais
com a sua doença, a morte do filho querido e o quadro agudo de angina
que estava apresentando. Ela própria dizia que a perda do filho havia
lhe provocado “uma tristeza que não vai embora nunca”. O tom de lamento
em sua fala aumentava a impressão de que a paciente parecia estar se despedindo
da vida. A paciente recebeu alta após fazer o cateterismo cardíaco e as
possibilidades cirúrgicas de seu câncer de seio estão sendo avaliadas no
momento.
Discutiu-se inicialmente o quadro depressivo de base e o diagnóstico de luto
patológico foi estabelecido. Elementos biográficos foram lembrados
para ressaltar os enormes buracos existenciais da paciente e a discussão
encaminhou-se para a psicodinâmica dos estados que envolvem a não
superação da perda de pessoas significativas como neste caso e naqueles
conhecidos como a culpa dos sobreviventes, nos quais pessoas não
conseguem superar a perda de entes queridos mortos em tragédias em que
elas sobreviveram. Finalmente discutiu-se como trabalhar situações de luto patológico em pacientes internados. |