Uma mulher branca de 40 anos, casada e sem filhos, havia procurado um
médico em sua cidade natal por sentir-se deprimida. Iniciou tratamento
medicamentoso, durante o qual foi constatada a presença de um aumento na
área tireoideana. Feito o diagnóstico de bócio nodular atóxico, iniciou
tratamento, mas, “por falta de recursos lá”, acabou sendo encaminhada ao
Rio de Janeiro para submeter-se à cirurgia (tireoidectomia parcial).
Internada no Hospital Geral da Santa Casa de
Misericórdia do Rio de Janeiro, passou a ser atendida por um
membro da unidade de Psicologia Médica do Centro de
Medicina Psicossomática e Psicologia Médica associada à enfermaria. Acostumada a lidar com as
tensões comumente presentes no pré-operatório, S. aproximou-se para
iniciar o atendimento à C., a qual, segundo a enfermagem, estava sempre
com “ar sério e conversava pouco com as outras pacientes”. S. foi
surpreendida, ao coletar a
“história da pessoa”, por um relato pungente
de uma história de vida com um importante drama existencial relacionado
à precariedade da identidade feminina e que, por essas coisas da vida,
estava sendo reforçado por graves conflitos conjugais. C. não via
nenhuma saída para as duas situações e realmente sentia-se mais do que
deprimida, desesperançada a tal ponto que parecia não apresentar nenhum
sinal de qualquer tensão comumente presente em pré-cirurgia. A falta de
perspectivas quanto ao seu drama existencial sobrepujava a consciência
do sofrimento do pré-operatório.
Partindo-se do tema da depressão discutiu-se,
inicialmente, a medicalização excessiva decorrente de uma prática
assistencial que busca a remoção de sintomas sem a necessária
compreensão das situações de vida nas quais a doença se instalou.
Abriu-se, então, o importante tema da depressão em pacientes orgânicos e
o risco de se instalar a
síndrome de
eutanásia por indução iatrogênica.
Abrindo-se espaço para a fala, a paciente pôde
elaborar alguns aspectos de sua crise existencial, melhorar a
auto-estima, legitimando, ao adquirir maior consciência,
seu lugar na
vida. A cirurgia e o pós-operatório transcorreram sem nenhuma
complicação e, com apenas mais três encontros (a paciente precisava
voltar à sua cidade natal), a dificuldade conjugal decorrente de um
problema orgânico do marido também pôde ser melhor encaminhada.
Abrindo-se espaço para a fala, ampliando-se o
espaço de segurança consegue-se evitar
os riscos de induções iatropatogênicas configuradas na síndrome de
eutanásia.
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